segunda-feira, abril 05, 2010

Onde eu invejo a morte

Sabes o que é que eu odeio em mortes e funerais? É as pessoas vivas que aqui andam, ainda. Isso é o que mais odeio, é essa injustiça para com os que ainda caminham na terra.

Quando uma pessoa morre, paramos o nosso mundo, choramos pela sua perda, choramos por nunca mais a ver, choramos por não nos termos despedido, por não termos dito tudo o que queriamos, por faltar aquele carinho a mais, ou simplesmente por determinada pessoa não voltar a participar nas actividades que lhe estavam alienadas. Mas isso para mim, é injusto. É injusto e demasiado cínico. Puro e simplesmente porque na verdade, nós não queremos saber. Porque se quisessemos saber, valorizávamos todos os dias o que temos diante de nós. As pessoas (e eu incluída) não compreendemos ao certo como a vida é efémera. Não entendemos que, hoje estão todos de volta de nós, tudo o que queremos existe, há quem nos diga que nos ama, que nos adora e que nos protege. Mas amanhã pode já não estar. Sentimo-nos confiantes que tudo está garantido. Que amanhã alguém nos dirá o mesmo e nem nos preocupamos em retribuir. Nem nos preocupamos com os vivos. Nunca nos preocupamos com os vivos. Nunca temos grandes dores quando fazemos alguém chorar, quando preocupamos alguém ou quando não acariciamos naquele momento que faz toda a diferença. E pode não estar. É isso que eu odeio na morte. É isso que eu invejo na morte, é toda essa atenção que a vida não tem, que ninguém lhe dá, injustamente. Difícil é viver, morrer é fácil, é acabar, ir embora e deixar para trás a vida que todos levam de tristeza por termos ido. E isso é que deveria ser celebrado, isso é que deveria roubar toda a atenção e todos os sentimentos fortes. Em vez disso as pessoas canalizam sempre para a morte todos os sentimentos que têm, esgotando as suas energias, as suas forças, estas que deveriam ser gastas nos vivos, e não nos mortos.

E depois acontece um desastre, alguém vivo morre e volta o ciclo vicioso da tristeza e do enfatizar de sentimentos. Esquecem-se sempre que não disseram adeus, que não disseram o que as pessoas queriam ouvir, que não as fizeram sentir-se totalmente amadas ou que não lhes deram a atenção que deviam. E isso para mim, é apenas ser cínico. Porque não tratamos de felicitar e fazer sorrir os vivos, mas canalizamos tudo o que temos para os mortos, que nunca o vão conseguir sentir, que nunca o vão conseguir alcançar, puro e simplesmente porque (injustamente) já não estão.

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